quinta-feira, 3 de setembro de 2015
Para presidente da SBPC, Helena Nader, saída para educação de qualidade é investimento na qualificação e no estímulo ao professor
Em um novo debate sobre a criação da Lei de Responsabilidade Educacional, promovida pela comissão especial que analisa o Projeto de Lei nº 7420/2006, a comunidade científica defendeu uma legislação propositiva, com metas e caminhos, para obtenção de uma educação básica de qualidade. Defendeu, porém, uma lei sem punições e judicialização aos gestores educacionais, ao contrário do que propõem juristas, alguns especialistas e parlamentares.
A presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader, entende que a área da educação é uma cadeia complexa – envolve Estado, família e sociedade – e que o gestor educacional não pode ser culpado pelas falhas da complexidade desse sistema.
“O que me preocupa na lei de responsabilidade educacional? Primeiro, somos a favor que se tenha uma legislação, mas que não seja punitiva e nem judicialize ainda mais o sistema educacional brasileiro”, disse Nader, biomédica, professora titular da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e que também representou a Academia Brasileira de Ciências (ABC), na audiência pública, realizada na quarta-feira, na Câmara dos Deputados, sobre o PL nº 7420/2006.
Órgãos como a Confederação Nacional dos Municípios, o Conselho Nacional dos Secretários da Educação e a secretaria de articulação com os sistemas de ensino do Ministério da Educação (MEC) também se pronunciaram contrárias à tese da punição no sistema educacional.
A presidente da SBPC citou o artigo nº 205 da Constituição Federal, que diz que a educação é um direito de todos, um dever do Estado e da família; e que deve ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade. Assim, visando o pleno desenvolvimento das pessoas, o preparo para o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho. “São muitos atores envolvidos nessa área e como dizer que um gestor é culpado em uma cadeia tão complexa?”, questionou.
Descumprimento da lei de piso salarial
Nader avalia que a criação de uma lei punitiva não é uma segurança de que a legislação será cumprida. “Se fosse assim, aqui (o Brasil) seria o país das maravilhas. O que mais temos são legislações que dizem o que podemos e o que não podemos. Porém, existem pessoas que continuam fazendo o que não devem”, justificou.
Nesse contexto, Nader lembrou o descumprimento da legislação que estabelece o piso salarial da educação básica. “Quais os Estados que estão cumprindo essa lei? Então, devemos ser mais propositivos para incentivar os Estados e a cadeia da educação”, sugeriu, defendendo, ainda a cobrança do cumprimento das leis em vigor.
Ela destaca a necessidade de cobrar a prestação de contas do dinheiro público investido na educação. “É preciso criar uma prestação de contas eficaz e que sirva para monitorar e mostrar os caminhos”, disse.
Ainda que não seja o parâmetro mais eficiente, Nader considerou que o modelo de prestação de contas adotados nos cursos de pós-graduação “é um dos melhores”, porque mostra dados como número de formação de mestres, doutores, notas dos cursos, dentre outros fatores.
Metas para União, estados e municípios
Como uma das saídas para melhorar a qualidade da educação básica, a presidente da SBPC sugeriu investimentos em programas de qualificação e de estímulo ao professor. Ela defendeu, ainda, o desenvolvimento do currículo desejado para melhoria da educação. “Para melhorar a educação é preciso investir na qualificação do professor e na estrutura”. Sugeriu, também, um pacto federativo em que sejam estabelecidas responsabilidades educacionais nas esferas federal, estadual e municipal, traçando um arcabouço para melhoria da educação. “Isso é importante deixar claro”, afirmou.
Com opinião semelhante, o professor João Batista de Oliveira, criador do Instituto Alfa e Beto (IAB), uma ONG que promove políticas e práticas de educação, refletiu sobre os modelos de educação com qualidade adotados no mundo e afirmou que o Brasil carece dos fatores mais importantes para implementação de uma educação de qualidade: estrutura e uma política para formar professores. Para ele, é preciso buscar modelos em outros países para melhorar a educação nacional, em vez de criar leis e decretos punitivos.
“Temos diferenças históricas e institucionais em relação a outros países, mas uma educação de qualidade não se faz com leis e nem com decretos. Se faz com instituições (escolas), com valores e com crenças compartilhadas com a sociedade, fatores que temos muito pouco”, analisou.
Fortalecimento de conselhos educacionais
Reforçando tal posicionamento, o coordenador Geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, disse não ser a favor da tese de punição. “Já existem mecanismos punitivos em relação a outras leis e acho preocupante a punição por metas relacionadas ao Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). Além do Ideb ser frágil, seria uma injustiça, já que o gestor que mais inclui seria punido com isso. Não dá para ser assim”, avaliou.
Cara defendeu a criação de um mecanismo plural, como o fortalecimento da relação dos conselhos educacionais com o sistema nacional de educação e, também, os tribunais de conta (TCUs) e controladorias gerais.
“A Lei de Responsabilidade Educacional pode fortalecer as leis de acesso à informação na área de educação. Há caminhos para se investir. Temos de ter clareza, em primeiro lugar, de que não podemos voltar atrás no que foi aprovado e temos de buscar o cumprimento do PNE”, disse.
Tentando responder cobranças de deputados sobre a falta de professores da educação básica nas audiências públicas, Cara concordou que, no mundo, nenhuma reforma educacional deu certo sem a participação dos professores. Mesmo que reconheça a dificuldade de ouvir 2 milhões de professores, Cara lembrou que, no Brasil, a Lei da Mordaça impede o servidor público de falar de seu próprio trabalho, fator que poderia ser derrubado.
Inclusão
Segundo Cara, o desafio do Brasil ainda é de expansão do ensino, já que existem milhares de crianças e jovens que precisam ser incluídos na educação. Este é um dos motivos pelos quais foram estabelecidos no Plano Nacional da Educação (PNE) investimentos de 10% do Produto Interno Bruto (PIB). “Quando falamos de mais recursos para educação é para atender às necessidades para uma educação de qualidade”, defendeu.
Nesse contexto, defendeu estabelecer na lei de responsabilidade da educação a criação de escolas que tenham condições básicas de funcionamento. Mencionou que, em todo o mundo, as escolas de qualidade possuem laboratórios de ciência e de informática, bibliotecas, sala de aula, banheiro, internet com banda larga. Ou seja, tudo que já consta do artigo 04 da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), que estabelece os insumos básicos para realização do processo de ensino e qualidade. Essas diretrizes também fazem parte das metas do PNE, pelo chamado índice Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi), previsto para ser adotado até 2016. O CAQi indica o investimento necessário – e inicial – por estudante para que haja condições para a ampliação do número de vagas e para a melhoria da qualidade de educação em todo o País.
Avaliação da relatoria do projeto de lei
Após o debate, o relator do projeto de lei em análise na comissão especial, deputado Bacelar (PTN-BA), que inicialmente defendeu punição a todos os envolvidos nos processos educacionais, disse que deve propor, em seu relatório, previsto para ser finalizado em novembro, uma legislação com caráter indutor de melhorias de práticas para uma educação de qualidade. “Há também um consenso de que é preciso criar instrumentos de controle social da educação. Então, esses mecanismos podem ser expressos na criação de um órgão independente da esfera pública e que teria condições de cobrar dos gestores públicos o cumprimento de metas fixadas pelo próprio gestor”, disse.
Serão realizadas outras duasaudiências públicas ainda este mês, nos dias 09 e 14, para encerrar os debates sobe a proposta. “Depois disso, teremos trabalhos internos, conversarei com deputados e novamente com o Ministério da Educação”, disse Bacelar, que estima que em novembro seu relatório estará pronto para ser apreciado pelos parlamentares.
(Viviane Monteiro/ Jornal da Ciência)
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