domingo, 11 de maio de 2025
Publicação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
Entrevistas

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

MCTI quer trazer de volta do exterior cientistas e pesquisadores

Além de conter a “fuga de cérebros”, Luciana Santos planeja fazer uma “busca ativa” de cientistas que saíram do País. Em entrevista exclusiva ao Jornal da Ciência, a ministra fala de sua visão sobre bioeconomia, área espacial e como a ciência pode contribuir para o combate à fome e à miséria

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Foto: Jardel Rodrigues/SBPC

Durante encontro com representantes de sociedades científicas ligadas à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) na última sexta-feira (10/2), em São Paulo, o presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Marco Antônio Zago, afirmou que há uma crise na formação de recursos humanos qualificados, em especial de novos pesquisadores, que já vem de alguns anos, mas foi aprofundada pela pandemia.

No Brasil, o problema é ainda mais grave, tendo em vista o desestímulo sistemático à pesquisa científica perpetrado pelo governo que se encerrou em 2022. Segundo ele, a Fapesp registrou queda de 30% na demanda por auxílios, incluindo de novas bolsas; diminuição de procura e matrículas nos cursos de pós-graduação, além de uma “queda de 40% das matrículas de graduação em engenharia no setor privado”.

O presidente da Fapesp se dirigia à engenheira eletricista Luciana Barbosa de Oliveira Santos indagando como ela pretende resolver essa questão à frente do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

A pernambucana Luciana Santos começou sua carreira política na militância estudantil em 1984, foi vice-governadora de seu estado, prefeita de Olinda e comandou a Secretaria estadual de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente, além de presidir seu partido, o PCdoB. Em dezembro de 2022, foi escolhida pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva para assumir o MCTI.

Na sexta-feira, ela estava no encontro das sociedades científicas, e participou também da cerimônia de entrega do Prêmio Carolina Bori Ciência e Mulher, promovido anualmente pela SBPC. A presença dela carregou ainda mais significados para o evento, já que ela é a primeira mulher a assumir o comando do MCTI.

A chamada “fuga de cérebros” e o desinteresse dos jovens pela carreira científica se somarão aos muitos desafios que Luciana Santos vai encarar daqui em diante à frente do Ministério. Em discurso, Santos falou dos desafios e dos planos para os primeiros 100 dias de gestão. Ela reconheceu a dificuldade das mulheres na inserção e atuação no campo científico e se comprometeu a ampliar o acesso de meninas e mulheres às carreiras científicas, assegurando a permanência delas nos “ambientes de pesquisa, de produção de conhecimento e desenvolvimento tecnológico”.

No fim da tarde de sexta-feira, ela concedeu uma entrevista exclusiva para o Jornal da Ciência, na qual ela se aprofundou em alguns temas como bioeconomia, agenda espacial, inovação e participação do setor privado.

Sobre o resgate dos jovens para a ciência, a ministra disse que pretende fazer uma “busca ativa” de cientistas para projetos específicos, como por exemplo, a recuperação da Ceitec (empresa pública que atua na área de semicondutores). Disse ainda que pretende fazer reunião com cientistas que estão fora do País para ouvir deles se querem ou não voltar, e em que condições. “Muitas vezes, a melhor maneira de você buscar caminhos é ouvir a realidade objetiva de quem se evadiu para a gente poder ter soluções”, afirmou.

Confira os principais trechos da entrevista:

Jornal da Ciência – A Sra. tem reiterado a intenção de que a ciência contribua com as urgências colocadas pelo presidente Lula de combate à fome e redução das desigualdades. Como o MCTI pretende realizar esse plano?

Luciana Santos - Nós entendemos que o principal parceiro nisso vai ser a secretaria do próprio ministro Wellington Dias (Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome), a Embrapa, o Ministério da Agricultura e o ministro Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar), que têm inúmeras experiências no País de intervenções no solo, de melhoramento de biofertilizantes, melhoramento de sementes que nós precisamos desenvolver.

JC – A senhora poderia dar alguns exemplos de ações emergenciais nas quais a ciência pode ajudar o combate a fome a miséria?

LS – Precisamos dar escala a essas experiências, como no semiárido brasileiro, da cultura de caju, da experiência do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) em Caruaru (PE), que além de fazer uma política de produção ecologicamente sustentável, correta, ainda consegue agregar valor. Ou das transformações que foram feitas em bacias leiteiras, experiências que dão escala e melhoram a condição de vida das pessoas de baixa renda, por meio de cooperativas e adotando sempre as soluções da ciência para situações adversas de produção de alimentos. Essa é o a centralidade do que nós vamos perseguir, como foi o papel de Johanna Döbereiner (1924-2000, engenheira agrônoma brasileira, pioneira em biologia do solo) no Cerrado, onde ninguém imaginava que podia produzir soja, fez um melhoramento e fixou nitrogênio no solo, possibilitando que o bioma tivesse uma produção gigantesca.

São soluções na ciência que possibilitam, mesmo em intempéries e situações adversas, soluções de produção de alimentos e a decisão política, claro, do presidente Lula de garantir isso. Nós temos a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) como uma das instituições muito importantes de distribuição de alimento no Brasil, nós podemos fazer essa intercessão e arrumar um projeto mais arrojado, que identifique essas áreas de concentração de maior pobreza, juntando soluções de ciência com economia solidária, cooperativas que enfrentem a fome no Brasil.

JC – Seriam soluções de mais longo prazo?

LS - Na verdade já existem muitas boas experiências, o que a gente vai tentar é dar escala onde a situação é mais adversa, onde houver maior concentração de pobreza e onde possamos criar uma logística, um fluxo que atenda mais rapidamente essa situação de chegar alimentos para as pessoas que estão em situação de miserabilidade. São ideias, em 40 dias não foi possível ainda formatar um projeto, porque cada ministério ainda está concebendo, desenvolvendo os conceitos e a partir daí nós vamos integrar. Ainda sequer fizemos uma reunião de trabalho com as pastas acerca disso, apenas cada qual está cuidando de ter o foco naquilo que o presidente Lula encomendou como prioridade para depois podermos fazer um programa e um projeto objetivo do enfrentamento à fome.

JC – Nessa linha, como a senhora vê a bioeconomia, que tem sido apontada como uma forma de levar desenvolvimento, principalmente região Amazônica?

LS – Sem dúvida, esse é um campo vasto que possibilita engrenar geração de emprego e renda em um conceito de sustentabilidade. Hoje no Brasil, apesar de sermos o maior produtor de alimentos, importamos fertilizantes. Isso não tem cabimento, nós podemos fazer biofertilizantes a um custo baixo que só uma política pública é capaz de fazer. Isso só para dar um exemplo na bioeconomia, mas nós podemos entrar na cadeia de combustíveis, na biomassa. Então é um campo vasto que é possível percorrer, principalmente na Amazônia, que é o grande paradoxo que existe no Brasil: você tem uma região, a mais rica do país, com o povo pobre e é preciso descobrir mecanismos que viabilizem a sustentabilidade. Tem culturas que muitas vezes são abandonadas, porque o próprio agricultor não consegue perceber a riqueza que aquele tipo de cultura pode dar para a vida dele. A cultura do caju, por exemplo: com a goma da árvore do caju você pode produzir até próteses. Tem a cadeia da alimentar da castanha, do bagaço do caju, que substitui a carne moída em uma cultura vegetariana. Só para exemplificar da diversidade de possibilidades que a gente pode fazer com a bioeconomia.

JC – A senhora poderia detalhar um pouco mais sobre o que se falou na reunião ministerial de Mudanças Climáticas?

LS - Há uma comissão ministerial que foi instalada antes de ontem, que tem pelo menos 19 ministérios – Desenvolvimento Econômico, Desenvolvimento Agrário, Meio Ambiente, Pesca, Gestão, Casa Civil e até Justiça – porque envolve complexidades, desde a ferramenta da ciência que é garantida pelo INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e pelo INPA (Pesquisas da Amazônia) e o Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), que dão elementos dos movimentos por satélite, seja do que está acontecendo de desmatamento propriamente dito, de derrubada da floresta, seja da degradação da floresta que, inclusive, é mais grave do que a própria derrubada das árvores. O Ministério da Justiça e os outros ministérios têm que entrar para poder criar estratégias de evitar aquele tipo de situação. Muita dessa degradação se dá pelo fogo, se dá por garimpo ilegal e mesmo pela pecuária. Então foi feita uma apresentação pela Secretaria do Meio Ambiente, bastante instruída pelas instituições vinculadas diretamente ao MCTI.

JC – Qual a estratégia para a área espacial? Além do INPE, outras áreas ligadas ao ministério são a Agência Espacial Brasileira (AEB) e a base de Alcântara que passou por uma mudança no governo anterior, com o Acordo de Salvaguardas Brasil-EUA…

LS - Esse é um dos nossos eixos estratégicos estabelecidos lá na Conferência de 2010. A principal constelação dos nossos satélites é o CBERS (programa de cooperação tecnológica entre China e Brasil para a produção de uma série de satélites de observação da Terra). Vamos agora para o CBERS 5 e 6 na cooperação internacional com a China, que será uma das pautas principais do presidente Lula. Também temos o Amazon 1, que foi entregue e acreditamos que ainda neste mandato vai ser possível entregar mais um satélite da plataforma do Amazon 1. Isso também faz parte da cooperação com a Argentina, mas a principal cooperação é com os chineses, pelo programa CBERS 6, que já nos auxilia num monitoramento de vários fenômenos no País. São projetos que estão aí na ordem do dia como exequíveis nos quatro anos e é claro que tem projetos mais de médio e longo prazo.

JC – E a Base de Alcântara?

LS – Hoje o principal desafio que se coloca para a Base de Alcântara é a atualização do plano diretor da cidade toda pelo impacto que causa aos quilombolas, às comunidades que moram no entorno da base. Já há parcerias e desenvolvimento da base do Alcântara, principalmente com os coreanos, mas houve duas tentativas de lançamento de foguetes que não funcionou, que a gente vai tomar pé para poder ajudar.

JC – Existe intenção de manter ou revisar o Acordo?

LS – Esse é um assunto muito polêmico. Quando eu era deputada Federal, acompanhei o Acordo de Salvaguardas e nós vamos ter que analisar com mais vagar quais foram as implicações e qual têm sido as vantagens. Porque um Acordo de Salvaguardas é mais amplo do que muito se fala. Não é só um acordo com a indústria de defesa ou aeroespacial norte-americana. Há uma possibilidade de vários outros acordos, por isso mesmo, inclusive, foi feito esse entendimento com os coreanos. Então também é algo que nós vamos atualizar.

JC – O professor Marco Antônio Zago, presidente da Fapesp, trouxe uma informação de que no mundo inteiro está havendo um desinteresse dos jovens na ciência. A Sra. já falou sobre suas ideias para conter a chamada “fuga de cérebros” (evasão de cientistas e pesquisadores para o exterior) por meio de reajuste de bolsas e melhores condições para os pesquisadores. Existe algum plano para trazer de volta os que se foram, para interferir de alguma maneira nesse desejo dos jovens de pesquisar?

LS - Nós estamos ainda muito no início, ainda estamos tateando os assuntos, fazendo diagnóstico e vendo que caminho percorrer. Eu sou muito convicta de que vai ser necessário fazer uma espécie de busca ativa para projetos específicos, por exemplo, a Ceitec (empresa pública que atua na área de semicondutores). Nós vamos suspender a liquidação da Ceitec, criar um grupo de trabalho que vai ter que chegar a uma conclusão. Ali fizemos por anos R$ 800 milhões em investimentos na fábrica de semicondutores. Quando o Bolsonaro decide liquidar, por óbvio, muitos desses engenheiros formados com dinheiro público, foram para outras empresas ou até saíram do País. Então a gente tem que fazer uma certa busca ativa, para projetos concretos, (e dizer) ‘olha, você que foi embora, a gente restaurou, volte, as condicionantes são essas’. Nós vamos ter que ser cirúrgicos, para poder, na medida em que vão se apresentando projetos estratégicos, fazendo um comitê de busca.

JC – Como vai ser esse comitê de busca?

LS - Por exemplo, eu pretendo fazer reunião com cientistas que estão fora do País para ouvir deles quais são as variáveis que determinam que eles não queiram mais voltar. Ou aqueles que querem voltar, mas não têm atratividade para isso. Ou seja, muitas vezes a melhor maneira de você buscar caminhos é ouvir a realidade objetiva de quem se evadiu para ter soluções. Muitas vezes são soluções múltiplas, não é só uma solução, mas a gente vai ter que ser proativo nisso.

JC – Como a senhora vê a participação do setor privado na estratégia de retomada da ciência como Política de Estado?

LS - Eu acho que é necessária porque esse é um desafio histórico que vivenciamos. Nós temos uma grande capacidade de elaboração científica, mas baixa inovação porque o nosso domínio de conhecimento científico não se traduz em produtos e serviços.

JC – Por quê?

LS - Exatamente porque há um grande fosso ainda entre a base científica, universidades e institutos e a empresa privada. Acho que isso avançou muito, a Lei do Bem ajudou nessa direção, a Lei da Informática, há um movimento no Brasil muito significativo que é a MEI (Mobilização Empresarial pela Inovação), ligada à CNI (Confederação Nacional da Indústria), mais focada no setor produtivo. É possível dar um salto e superar esse paradoxo de termos uma produção entre as seis melhores do mundo em (publicação de) “papers” de desenvolvimento científico, mas estarmos lá embaixo no ranking de inovação. Então nós temos que botar a lei de inovação, o marco legal, o arcabouço legal que é facilitador dessa integração e a iniciativa privada entrar nesse pacote de investimentos que é necessário.

JC – Vocês já estão conversando com alguém da iniciativa privada?

LS - Recebemos a Associação Brasileira da Indústria de Eletroeletrônicos (Abinee), que veio tratar da questão do PADIS (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores). Devemos ter uma conversa com a CNI e estive com uma das pessoas formuladoras dessa área, que foi secretário executivo fundador do Ministério no tempo de Renato Archer, o (economista e ex-presidente do BNDES) Luciano Coutinho, uma figura decisiva no processo de compreensão dessa integração.

JC – O Luciano Coutinho vai trabalhar diretamente com vocês?

LS – Não, ele é consultor da CNI. A ideia é trazer a expertise dele no assunto de integração empresa privada com instituição de ensino e inovação.

JC – Qual o projeto do Ministério para recuperar o apoio público ao conhecimento científico que se degradou visivelmente os últimos anos, não só no Brasil, em vários países, como efeito da onda de fake news e negacionismo?

LS - Eu acho que a maior reviravolta que temos que fazer é exaltar a nossa base científica. É ostentar que essa base científica é potente, consistente. Nós somos exportadores de inteligência em áreas dinâmicas da economia global. Nós somos exportadores de inteligência na agricultura através da nossa Embrapa; somos uma potência na indústria aérea com a nossa Embraer, somos potentes na transição energética. Nós hoje estamos desenvolvendo a nossa capacidade de produção de energias renováveis, seja por conta da Petrobras, seja por conta do hidrogênio verde, que é o futuro para substituição de combustíveis fósseis. Então nós temos que ostentar essa potencialidade brasileira para vencer o negacionismo.

JC – Ostentar como?

LS - Difundir a nossa força, o que nós somos, para poder superar uma desqualificação que foi tentada nesses últimos quatro anos. (Por exemplo), fazer grandes campanhas da vacinação porque 34 milhões de brasileiros não receberam nenhuma dose da vacina da covid. Nossas crianças estão voltando a ter sarampo, poliomielite, então isso é uma coisa criminosa. Vamos ter que fazer campanha, vamos ter que fazer uma estratégia de afirmação dessa base com soluções apresentadas que são evidentes.

Janes Rocha – Jornal da Ciência