sexta-feira, 29 de outubro de 2021
“Cientistas, estudantes, empresários inovadores também se sentem insultados, pois percebem que a retenção dos recursos não reembolsáveis do FNDCT, que deveriam e poderiam ser investidos em bolsas e recursos para pesquisa científica e inovação, não foram liberados e estão contingenciados até hoje, ao arrepio da lei”, escreve Hernan Chaimovich, professor emérito do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), para o Jornal da Ciência
Parece que o Ministro Paulo Guedes nunca ouviu falar de que a última coisa que um cavalheiro pode perder é a elegância. Resta saber se o tal Guedes é cavalheiro ou surdo. Chamar um colega de burro, em reunião com mais de uma pessoa, além de ser grosseiramente desrespeitoso é um chamado a que a notícia se espalhe. Claramente, Guedes esperava que a sua deselegância vazasse. Neste episódio, em um ajuntamento com parlamentares, o Guedes qualifica Ministros de incompetência gerencial e ofende o responsável pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). As inverdades, também conhecidas como fake news ou simplesmente mentiras se repetem nesta reunião. Nada novo, pois o chefe do Guedes, o tal que diz ao povo brasileiro que vacina contra covid pode causar aids, foi qualificado recentemente como o mentiroso mor da República.
Lástima que o astronauta, ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações do país, ainda querendo manter a sua posição como ministro, não venha a público explicar de forma transparente, e não lacrimosa, como se manifesta a anti-ciência do tal de Guedes. E a explicação é simples, não deixa dúvida sobre a intenção do ministro da deseconomia, mas também levanta algumas perguntas quanto às atitudes do astronauta.
No país das piadas prontas, é interessante notar que na Lei Complementar 177/2021, onde se veta o descontingenciamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), Guedes e o astronauta ainda pareciam amigos. A Lei é assinada pelo mentiroso mor da República, o Guedes e o astronauta. A leitura da lei 177/2021, portanto, indica que o presidente e os dois ministros estavam confortáveis com o contingenciamento dos recursos do Fundo.
O Congresso Nacional, frente à insurgência da comunidade científica e de parte da comunidade empresarial, derruba o veto. Bolsonaro, desta vez sem a assinatura de Guedes ou do astronauta, publica, em 21/03/2021 o texto antes vetado da Lei:
“§ 3º É vedada a alocação orçamentária dos valores provenientes de fontes vinculadas ao FNDCT em reservas de contingência de natureza primária ou financeira.”
Se o Ministério da Economia cumprisse o que determina a Lei Complementar 177/2021, editada em março, deveria liberar cerca de 7 (sete) bilhões de Reais do FNDCT. E aí que vem o conjunto de maldades. Liberar recursos não diz exatamente quando a liberação deve ser realizada, e a lei tampouco especifica como e onde a quantia deve ser liberada.
Guedes, além de manobrar para não liberar os recursos do FNDCT, alega que o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) não executa de forma eficaz o orçamento. Mas, vejamos por que se manifesta assim o Ministério Anti-ciência da Deseconomia (que doravante intitulo de “MAD”). Do FNDCT, foram liberados apenas R$ 89,8 milhões para o MCTI para fundos não reembolsáveis (13% do valor total originalmente previsto). Outros, R$ 600,2 milhões foram transferidos para outros ministérios utilizarem em atividades diversas, como agropecuária, saneamento básico, educação, inclusão digital, esportes, habitação e projetos de infraestrutura.
Ao mesmo tempo, o MAD libera para o MCTI montantes vultuosos para os Recursos Reembolsáveis do FNDCT, que não são contabilizados para o teto dos gastos públicos, pois, em princípio se (e somente se) forem de fato emprestados, algum dia retornarão ao orçamento do Ministério. Os problemas existentes para utilizar estes recursos são, pelo menos dois: um se chama Custo Brasil 2021, contexto em que as empresas não estão querendo se endividar, especialmente para investir em tecnologia. O segundo refere-se às taxas pouco atrativas desses empréstimos. Como resultado, o montante liberado pelo MAD para os Recursos Reembolsáveis permanece, não utilizado, no caixa do MCTI. E aí vem o gestor do MAD insultar o ministro astronauta, pois o MCTI não consegue gastar seu orçamento, que claro inclui o montante dos Recursos Reembolsáveis. Se isso não é uma piada pronta de péssimo gosto, não sabemos o que viria a ser.
Sabemos que este governo é anti-científico e aproveita uma situação que ele mesmo criou para insultar não somente o astronauta, mas a inteligência de todos. Cientistas, estudantes, empresários inovadores também se sentem insultados, pois percebem que a retenção dos Recursos Não Reembolsáveis do FNDCT, que deveriam, e poderiam ser investidos em bolsas e recursos para pesquisa científica e inovação, não foram liberados e estão contingenciados até hoje, ao arrepio da lei.
A história é um juiz implacável, escrita pelos vencedores, e certamente não serão Bolsonaro e seus asseclas os que a vão escrever. E, então, aparecerão os vilões anti-ciência que, com toda intenção, armaram uma armadilha para poder, sem pudor, insultar o astronauta e todos aqueles que acreditam que ciência e inovação são as ferramentas para melhorar o Brasil.
* O artigo expressa exclusivamente a opinião de seus autores