segunda-feira, 10 de janeiro de 2022
“A realidade tem mostrado que uma das tarefas mais difíceis da comunidade científica é mostrar à sociedade que a evasão de jovens cientistas para o exterior não é uma questão isolada, que afeta apenas parte da elite acadêmica”, escreve Vanderlan da Silva Bolzani, professora do Instituto de Química (IQAr) da Unesp, presidente da Aciesp e membro do Conselho da SBPC, em artigo especial para o Jornal da Ciência
Não temos estatísticas oficiais e, por isso, não sabemos quantos eles são. Mas é certo que um número expressivo de jovens pós-graduados brasileiros, formados em renomadas universidades, encontra-se hoje diante da difícil decisão de sair do país se quiser dar continuidade à carreira científica. Em mais de 30 anos, nas reuniões quinzenais do meu grupo de pesquisa, além dos assuntos inerentes as pesquisas de mestrado, doutorado e pós-doutorado em produtos naturais, sempre foi rotina discutir a importância dos estágios destes jovens em instituições renomadas de outros países, especialmente nos Estados Unidos, Europa e Austrália. Praticamente todos os jovens que saíram do Núcleo de Bioensaios, Biossíntese e Ecofisiologia de Produtos Naturais (NuBBE) sob minha supervisão e, acredito ser prática normal dos vários grupos acadêmicos de nossas instituições de ensino superior e de pesquisa, estiveram no exterior como bolsistas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) – no caso de São Paulo. Assim como eu, que saí para um pós-doutorado nos Estados Unidos no início dos anos 1990, acredito que a maioria dos jovens de hoje continuam com este sonho, completamente em sintonia com o mundo acadêmico. Todos têm em mente que um estágio em um centro de excelência no exterior abre a possibilidade de retornar ao país para desenvolver suas linhas de pesquisas e investir em sua carreira científica nas Universidades e Institutos de Pesquisa de todo o Brasil. Outro dado importante, pelo menos no ambiente acadêmico onde estamos inseridos, nos últimos anos, dado a excelência de nossos laboratórios e aos projetos de colaboração internacional, assistimos a um fluxo de jovens cientistas do exterior procurarem os nossos laboratórios, demonstração clara da excelência brasileira alcançada e de seu reconhecimento lá fora.
Tudo isso se deveu, em geral, a iniciação cientifica bem sucedida no curso de graduação, primeiro passo para esses jovens pesquisadores que tiveram pelo menos seis anos de formação especializada durante o mestrado e o doutorado. Grande parte deles com bolsas que lhes permitiram estágios no exterior, ou seja, tornaram-se aptos a dialogar com o mundo internacional da pesquisa, base de qualquer desenvolvimento econômico e social do mundo 4.0.
Com tal qualificação, eles alcançam um alto valor no ambiente científico global que necessita de cérebros treinados para trabalhar no limiar dos problemas mais desafiadores, em todas as áreas do conhecimento, especialmente no contexto das sociedades do conhecimento.
Ao investir na formação desses profissionais, o país apostou que no futuro eles iriam contribuir para o salto ambicioso obrigatório no século XXI, que no Brasil significa o salto da transformação do conhecimento em riquezas, em divisas econômicas e em soluções. Mas, ao contrário, o que estamos vivenciando em muitos casos é a conversão desse investimento precioso feito pelo Estado na formação desses pesquisadores apoiando o desenvolvimento de outros países. Seria até motivo de orgulho se tivéssemos um sistema de C&T nacional robusto à altura das demandas nacionais para continuarmos na vanguarda dos países em desenvolvimento que, em 2020, ocupou cinco posições no Índice Global de Inovação (IGB), ficando no 57.º lugar entre 132 países, onde a Suíça aparecia no topo da lista, seguida pela Suécia e os EUA. Esta posição não é a ideal quando comparada com a de 2011, quando o país alcançou a 47.ª posição e poderíamos até pensar que já tivemos em alguns momentos, motivos para celebrar em ver talentos sendo convidados para ocuparem posições importantes em Centros de excelência Internacionais.
Mas neste cenário atual, o painel promovido pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), “Ficou ou não fico? Eis a questão. Jovens cientistas no Brasil de hoje” não poderia ser mais oportuno!
A data histórica de 9 de janeiro, à qual remete ao “Dia do Fico”, quando o príncipe Regente desafiou as Cortes Portuguesas e permaneceu no Brasil, é um ponto de referência da nossa identidade nacional. Ponto que desemboca nas aspirações por um “salto ambicioso” neste século XXI que depende da participação das novas gerações.
A realidade tem mostrado que uma das tarefas mais difíceis da comunidade científica é mostrar à sociedade que a evasão de jovens cientistas para o exterior não é uma questão isolada, que afeta apenas parte da elite acadêmica. É mostrar que a evasão de jovens é parte de um grande processo onde se inclui a incapacidade de resolvermos os graves problemas sociais, de combater a desigualdade e o preconceito; da dificuldade de combater o obscurantismo e o negacionismo científico; de administrar enchentes ou controlar uma pandemia alinhados ao universo das “sociedades do conhecimento”.
Quando se considera o montante de recursos necessários à continuidade dos programas de apoio à pós-graduação que impediriam a evasão dos jovens cientistas, a cena ganha ares de insanidade política. Mas esta é a hora em que precisamos da clareza e da objetividade de iniciativas como o painel da SBPC “Fico ou não fico? Eis a questão” e todas as outras ações anteriores realizadas desde o ano passado pela SBPC, Academia Brasileira de Ciência (ABC) e várias associações científicas, sempre visando o apoio e a mobilização da sociedade para reverter esse quadro desolador.
* O artigo expressa exclusivamente a opinião de seus autores