domingo, 11 de maio de 2025
Publicação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
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quarta-feira, 13 de março de 2019

Crise ameaça progresso da ciência

“Como cientistas membros de academias pertencentes à Rede Interamericana de Academias de Ciências, estamos profundamente preocupados com essas situações e pedimos à comunidade científica global que se solidarize com as comunidades acadêmicas da Nicarágua e da Venezuela”,clamam Jorge A. Huete-Pérez, Gioconda Cunto de San Blas, Jeremy N. McNeil, em artigo publicado na revista Science

Segundo o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, a repressão e a violência na Nicarágua “são produtos da erosão sistemática dos direitos humanos ao longo dos anos” e da “fragilidade geral das instituições e do Estado de Direito”. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos informou que durante um período de 3 meses de protestos, 322 pessoas foram mortas por forças do governo ou paramilitares pagos na Nicarágua. Na Venezuela, décadas de má governança resultaram em ruína econômica, com 90% dos venezuelanos vivendo na pobreza e 10% da população emigrando. Aproximadamente 33% dos médicos saíram e a disponibilidade de medicamentos diminuiu. O sistema de saúde foi devastado, com o aumento da mortalidade infantil e o reaparecimento de doenças consideradas erradicadas décadas atrás.

Também é importante ressaltar o grave impacto de longo prazo que essas crises têm sobre a ciência e a educação nesses países. Na Nicarágua, as demissões e prisões de acadêmicos e estudantes paralisaram o ensino superior e a pesquisa. Diante de prisões ilegais, prisão, tortura e morte, milhares de estudantes fugiram do país e a maioria das universidades foi fechada em 2018. Ameaçado pelas forças paramilitares, o presidente da Academia de Ciências da Nicarágua foi para o exílio.

O controle estatal sobre a liberdade acadêmica e a autonomia na Nicarágua é ruinoso para a pesquisa e o ensino superior. Pelo menos 300 médicos foram demitidos de centros de saúde públicos e universidades. Como o produto interno bruto da Nicarágua caiu, o financiamento para o Conselho Nacional de Universidades caiu 7%. O orçamento da Universidade da América Central (UCA) foi reduzido em 30%. Paralelos na Venezuela incluem escassez de alimentos e uma queda de aproximadamente 40% na frequência de estudantes. Além disso, entre 40 a 50% dos docentes universitários emigraram ou abandonaram seus cargos, e os cursos de pós-graduação foram cancelados devido à baixa matrícula de alunos.

A repressão brutal contra estudantes universitários e professores é chocante, e a violência e a insegurança estão reduzindo a cooperação internacional na Nicarágua e na Venezuela. Este declínio terá efeitos negativos duradouros em todos os níveis de ensino, na formação de jovens cientistas e na pesquisa e desenvolvimento, abrangendo temas de importância regional e global.

As tragédias que se desdobram nesses países apontam para a importância da liberdade acadêmica na promoção do pensamento crítico e expõem as consequências devastadoras do enfraquecimento sistemático das liberdades civis conduzido pelos governos. A comunidade científica mundial deve unir forças com instituições globais para pressionar ambos os governos a acabar com a violência e os abusos dos direitos humanos, e instá-los a reconsiderar que sua recuperação econômica e social e estabilidade política podem ser pavimentadas em parte pelo incentivo à educação e à ciência.

Sobre os autores:

Jorge A. Huete-Pérez é vice-presidente sênior da Universidade da América Central (UCA), Manágua, Nicarágua e membro da diretoria da Academia de Ciências da Nicarágua, Manágua, Nicarágua.

Gioconda Cunto de San Blas é o presidente da Academia Venezuelana de Ciências Físicas, Matemáticas e Naturais, Caracas, Venezuela.

Jeremy N. McNeil é membro da Royal Society of Canada e Distinguished University Professor no Departamento de Biologia da Universidade de Western Ontario, Londres, ON, Canadá.

Science, com tradução Jornal da Ciência