sexta-feira, 9 de maio de 2025
Publicação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
Legislação

quinta-feira, 10 de agosto de 2023

Comissão de Ciência e Tecnologia debate impactos e perspectivas de revisão do Marco Legal da CT&I

Segundo os debatedores, legislação precisa ser revista para desburocratizar e facilitar sua operacionalização. Para Francilene Procópio Garcia, vice-presidente da SBPC, o Marco Legal trouxe avanços significativos no sentido de criar um ambiente mais favorável à inovação, mas sua efetivação ainda depende do esforço dos atores envolvidos para alcançar uma verdadeira interação entre governo, indústria e academia

Francilene Garcia

Francilene Procópio Garcia, vice-presidente da SBPC

Os impactos e perspectivas de revisão do O Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação (Lei 13.243/16), sancionado em janeiro de 2016,  foram debatidos em audiência pública da Comissão de Ciência e Tecnologia, da Câmara dos Deputados, nessa quarta-feira, 9 de agosto. Na avaliação dos debatedores, a legislação precisa ser revista para desburocratizar e facilitar sua operacionalização. A legislação traz, entre outros pontos, o incentivo à pesquisa científica, prevê isenção e redução de impostos para importação de insumos e facilita processos licitatórios, tanto em institutos quanto em empresas.

Para Francilene Procópio Garcia, vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o Marco Legal trouxe avanços significativos no sentido de criar um ambiente mais favorável à inovação do País, mas sua efetivação ainda depende do esforço de todos os atores envolvidos para alcançar uma verdadeira interação entre governo, indústria e academia.  “É preciso constituir essa lei federal para melhor articulação do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI). É preciso olhar para o Projeto de Lei do Senado (PLS) 226/2016, que está paralisado e que traz uma abordagem para alguns dos vetos da lei,” disse.

Garcia afirmou ainda que é preciso o cumprimento de uma demanda da Emenda Constitucional 85, que é a criação de uma lei federal que deve organizar melhor os papeis dos atores que fazem parte do SNCTI. “É preciso que a gente evite redundâncias, esforços burocráticos desnecessários. É preciso alinhar os programas de forma complementar. Um dos exemplos são os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs). Apesar de termos um decreto que instituiu esse programa, a gente precisa ter clareza dos papeis dos INCTs nesse sistema. Não só em relação ao financiamento, mas como eles vão, obviamente, resultar e impactar a sociedade brasileira de uma maneira geral”, comentou.

O presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Ricardo Galvão, falou sobre a implementação do Marco Legal, reforçando que não é só uma questão de rever a legislação, mas de promover sua operacionalização. “A legislação precisa ser revista para ser melhor executada. Se o Brasil não estiver atento a essa questão da inovação e da participação da ciência e tecnologia no desenvolvimento científico deste século, iremos ficar para trás”, alertou.

Ele citou o supercomputador como exemplo. “Um instrumento de pesquisa, um supercomputador, só tem um fabricante. Só tem ele. Quando fui instruir o processo para comprar partes para modernizá-lo, não foi aceito. ‘Por que você não faz uma concorrência pública?’, perguntaram. Daí, você abre um jornal, só tem preço de laptop.”

Galvão citou ainda algumas facilidades que o Marco Legal permite, como a possibilidade das instituições de ciência e tecnologia prestarem serviços públicos e receberem recursos por meio de suas fundações de apoio. Mas apontou que dificuldades de entendimento travam a operacionalização da lei.

O procurador federal da Advocacia-Geral da União (AGU), Bruno Monteiro Portela, disse que o Marco deu liberdade ao gestor, mas citou um acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU) que mostra sua baixa implementação. Segundo ele, cerca de 20% das universidades federais brasileiras não elaboraram sua política de inovação.

Ele falou sobre a criação de uma espécie de comitê e disse que a AGU está de portas abertas para pautas de ciência, tecnologia e inovação. “O objetivo é trabalhar dentro da AGU, trabalhar com os ministérios, principalmente o MCTI, trabalhar com a comunidade científica ouvindo de perto a comunidade, o setor produtivo, a confederação nacional das indústrias, todo o setor privado e construir manifestações técnicas referenciais e padronizadas, que vão trazer o espírito da lei e as demandas da sociedade para que o Marco realmente seja implantado da forma mais adequada possível”, disse o procurador.

“A gente precisa, dentro dessa análise do Marco Legal, a partir de lei e decreto, ter em mente quais as possibilidades de exigir menos do pesquisador, porque ele tem que cumprir a área finalística e tem que ser desincumbido da área operacional”, afirmou.

O consultor jurídico do MCTI, Leopoldo Gomes Muraro, também concordou que é necessário aprimorar o regime jurídico e as previsões legais das agências de fomento e dos INCTs. De acordo com Muraro, 42% dos institutos federais de ensino superior não fizeram, nos últimos três anos, contratos de prestação de serviços em projetos de pesquisa, e 48% não fizeram contratos que envolvem transferência de tecnologia.

Na opinião de Murado, deve-se falar mais sobre conflito de competência, e deixar mais claro na nova legislação que for surgir até onde o pesquisador pode ou não pode atuar, evitando problemas com o órgão de controle. “Ao mesmo passo que o Marco Legal estimula que o pesquisador tenha empresa, que ele participe de relações com empresas, muitas vezes fica a dúvida de até que ponto o pesquisador pode ou não pode atuar”, reforçou.

Alerta

Assessor da área de negócios da Embrapa, Daniel Nascimento citou uma visita que fez a um instituto de pesquisa em Israel, onde conversou com uma pesquisadora.

“Ela mencionou: eu sou sócia dessa startup. Ao ser perguntada se não via conflito de interesses, ela não entendeu a pergunta. ‘Conflito como? Estamos gerando emprego, renda, levando inovação para o mercado, atingindo outros países. Tem a receita que essa startup gera para a universidade, esse laboratório é o mais estruturado da universidade, e eu sou sócia de mais cinco’. Esse modelo já existe em diversos países”, apontou.

O presidente da Associação Brasileira das Instituições de Pesquisa Tecnológica e Inovação (Abipti), Paulo Foina, fez um desabafo: fazer pesquisa no Brasil, sendo professor, é uma atividade de alto risco.

“Tem muito órgão no Brasil que atrapalha o desenvolvimento científico”, disse Foina. “Eu não faço compra tecnológica, não sou louco de colocar meu CPF nisso, na encomenda tecnológica. E nem em compra com dispensa de licitação. Cansei de ver empresas que só têm um fornecedor, como o supercomputador, e eu poderia pedir compra com licença, mas, se eu pedir, metade do TCU vai cair nas minhas costas. Eu estou fazendo certo, mas terei que provar que estou certo”, reclamou.

A pouca disponibilidade de recursos para pesquisa científica e tecnológica foi amenizada pelo aporte dos governos estaduais por meio das fundações, segundo o presidente do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap), Odir Dellagostin. Mas ele reclamou que o tempo que poderia ser gasto com inovação é gasto com atividades burocráticas exigidas pela legislação, mesmo quando os recursos estão disponíveis para o pesquisador.

“Ele tem que buscar pelos orçamentos para fazer determinado gasto, porque a lei assim exige. Observar critérios, prestar contas com nível de exigência enorme e isso tudo tem custo – é um custo muito elevado e que não mensuramos”, afirmou.

Segundo Dellagostin, no Brasil, são necessários três meses para conseguir um reagente que em países desenvolvidos é obtido em poucas horas. Ele citou um projeto de lei em tramitação no Senado (PLS 226/16) que concede autonomia financeira aos institutos de ciência e tecnologia públicos e dá segurança jurídica para a concessão de bolsas e isenção de impostos de importação para empresas em projetos de pesquisa e desenvolvimento.

A mesma proposta foi citada pela diretora de Inovação da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Gianna Sagazio, que lembrou que o Brasil está na posição 54 entre 132 países no índice global de inovação e ocupa a sexagésima posição em 64 países no ranking de competitividade.

A audiência pública foi pedida pela deputada Luisa Canziani (PSD-PR), que argumentou que é necessário avaliar os benefícios, as limitações e gargalos na legislação. Deve haver outra audiência pública futuramente para continuar a discussão.

Veja aqui o debate na íntegra.

Jornal da Ciência, com Agência Câmara de Notícias